por Dário de Araújo Cardoso
Esta é uma série de postagens sobre como
pregar a Cristo no Antigo Testamento. Muitos tem pregado de forma errada
usando o Velho Testamento para pregações moralistas ou de auto-ajuda.
Pregador, quer aprender a pregar com base no Antigo Testamento? Esta
série de postagem lhe dará uma boa introdução.
2. A PREGAÇÃO BIOGRÁFICA EXEMPLARISTA
2.2. Objeções ao uso do sermão biográfico exemplarista
Greidanus no livro Sola Scriptura apresenta uma série de obj eções ao
uso do sermão biográfico exemplarista. Aqui são apresentadas as quatro
mais contundentes: seu caráter antropocêntrico, o desvio hermenêutico e
a banalização da Escritura que promove e o estabelecimento de paralelos
falsos ou errôneos.
2.2.4. Estabelece paralelos falsos ou errôneos
O objetivo de estabelecer um paralelo direto entre o registro bíblico e o
presente tende a levar o pregador a estabelecer paralelos ilegítimos e
até mesmo a fazer julgamentos errôneos acerca dos personagens bíblicos.
Greidanus apresenta um conhecido exemplo que ilustra bem a diferença
entre a abordagem exemplarista e a abordagem histórico-redentiva. Uma
pregação sobre as bodas da Caná geralmente recebe a seguinte aplicação:
“Como o casal nubente convidou Jesus para o casamento, assim também nós
devemos convidar Jesus para vir à nossa casa diariamente, e como Jesus
transformou a água em vinho, ele também fará nossa água comum um
delicioso vinho”. Entretanto, Holwerda faz a seguinte aplicação do mesmo
texto:
É impossível para você convidar a Jesus como eles fizeram porque ele não
mais está na terra em sua natureza humana. Portanto, ele não poderá ser
convidado para nossa mesa como foi para a deles. Ele não está aqui; Ele
ressuscitou. Além disso, não é permitido a você convidar a Jesus como
eles fizeram, pois até aquele tempo eles somente o conheciam como Jesus,
o filho do carpinteiro de Nazaré… Mas ele tem sido pregado a você como o
Cristo. [...] Você é muito mais rico, portanto.
Dessa forma, ao invés de uma aplicação do tipo “então” é igual a
“agora”, temos uma “então” não é igual a “agora”. Um marcante contraste
deve ser estabelecido para fazer justiça tanto ao texto quanto ao tempo
presente.
A situação se torna mais crítica quando a abordagem exemplarista se vê
obrigada a negar seu próprio princípio quanto se depara com textos como o
de Samuel cortando Agague em pedaços, o suicídio de Sansão ou Jeremias
pregando a deserção. Todos esses são bons exemplos, pois foram respostas
às exigências da palavra de Deus. Portanto, não podem ser condenados ao
mesmo tempo em que não podem ser apontados como modelos a serem
aplicados a toda a igreja. Greidanus aponta sobre aqueles que usam a
abordagem exemplarista:
Eles simplesmente não podem ser estritos imitadores [dos personagens da
Escritura] porque a realidade da distância histórica se impõe sobre seu
ponto inicial de que as pessoas no texto são exemplos e espelhos para
nós hoje: a força da história quebra o espelho exemplarista. Daí surge a
tensão na pregação exemplarista. Por um lado, um marco de equação
histórica é aplicado: “os fatos sobre pessoas do passado são
transportados para o nosso tempo”; eles são nossos exemplos. Por outro
lado, a descontinuidade histórica se introduz neste esquema ideal: as
pessoas no texto não se adequam exatamente à nossa situação; nós não
podemos fazer literalmente as coisas que eles fizeram.
Surge daí a tendência de espiritualização dos textos históricos. Ao
invés de exigir o árduo trabalho de identificar as circunstâncias
históricas do texto, seu lugar na história da redenção e, então, sua
aplicação ao leitor contemporâneo, o uso da espiritualização oferece o
atalho muito mais simples de buscar verdades espirituais por trás dos
fatos. Greidanus aponta que, em essência, a espiritualização nada mais é
do que alegorização, a busca de verdades espirituais simbolizadas em
certas passagens do texto.
Mesmo aqueles que estão comprometidos com a apresentação de Cristo nos
textos históricos facilmente se vêem enredados por uma prática similar,
que é a tipologização (diferente de tipologia). Busca-se no texto um
atalho para Jesus Cristo, sua humilhação, seu ministério, seu sacrifício
e sua glorificação. Ainda que a interpretação tipológica seja
apropriada para alguns textos, a tipologização não é uma tentativa
legítima de descobrir como o texto do Antigo Testamento se relaciona com
Cristo. Ela é, muitas vezes, apenas um atalho que despreza o propósito e
o contexto em que o texto foi escrito. Veer aponta que esse tipo de
artifício para tornar um sermão cristocêntrico, ao contrário do que
supõe seu utilizador, se baseia no fato de que o pregador não percebeu o
caráter cristológico de determinada porção histórica. Ele afirma que o
caráter cristológico de um texto histórico não é salvo pela descoberta
de um tipo. Isso não significa que não existam tipos de Cristo na
Escritura, mas que deve-se, via de regra, limitar-se aos tipos que foram
estabelecidos pelo próprio Senhor e não multiplicá-los arbitrária e
indiscriminadamente.
Pode-se, portanto, observar a quantidade de problemas relacionados à
pregação biográfica exemplarista. Apesar de tão comum e largamente
difundida, essa abordagem ao texto bíblico se mostra incompatível com
os princípios reformados de hermenêutica e homilética bíblicas. Ela é
essencialmente antropocêntrica em sua abordagem e em sua interpretação
do texto bíblico. Ao invés de expor os atos, pensamentos e propósitos do
Deus triúno, coloca o foco nos atos, pensamentos e personalidade dos
personagens e se apoia na criatividade e imaginação do pregador em
estabelecer os paralelos que lhe são mais convenientes entre o tempo
bíblico e o atual. Ela banaliza a Escritura ao torná-la um depósito de
ilustrações pessoais que poderiam ser encontrados em qualquer livro
religioso ou personagem histórico. Torna assim indistinto o valor das
Escrituras como regra de fé e prática. Desconsidera também o valor
histórico dos textos, uma vez que se concentra apenas naquilo que
interessa à aplicação moderna e busca fazê-lo através de atalhos como a
moralização, a espiritualização e a tipologização. Acima de tudo, a
pregação biográfica exem- plarista nega o pressuposto apostólico de que o
objetivo primário da pregação é apresentar Cristo aos ouvintes e de que
esse objetivo pode ser alcançado em todas as passagens do Antigo
Testamento, incluindo assim as narrativas históricas biográficas.
Faz-se, portanto, necessária a proposição de uma abordagem diferente
para os sermões biográficos. Tal abordagem pode ser alcançada através do
método cristocêntrico histórico-redentor proposto por Greidanus.
[cont.]