por Dario de Araújo Cardoso
Esta é uma série de postagens sobre como
pregar a Cristo no Antigo Testamento. Muitos tem pregado de forma errada
usando o Velho Testamento para pregações moralistas ou de auto-ajuda.
Pregador, quer aprender a pregar com base no Antigo Testamento? Esta
série de postagem lhe dará uma boa introdução.
[ Parte 1 ] [ Parte 2 ] [ Parte 3 ] [ Parte 4 ] [ Parte 5 ] [ Parte 6 ] [Parte 7 ] [ Parte 8 ] [Parte 9 ] [ Parte 10 ]
3. A PREGAÇÃO CRISTOCÊNTRICA APLICADA AOS PERSONAGENS BÍBLICOS
3.2. Caminhos para pregar Cristo
No que se refere às passagens biográficas quatro desses caminhos
parecem ser mais adequados à pregação: o da progressão
histórico-redentiva, o da tipologia, o da analogia e o do contraste.
3.2.1. Progressão histórico-redentiva
A história da redenção é o registro dos atos de Deus para redimir o seu
povo e restaurar sua criação. Assim, toda ela é centrada em Deus. As
narrativas são descrições desses grandes atos e feitos de Deus. “O
reconhecimento de que a história redentora é centrada em Deus é
importante porque estabelece a ligação com o ato culminante de Deus em
Cristo.” Assim, deve-se perceber nas narrativas o pulsar escatológico da
salvação de Deus em curso e reconhecer o seu cumprimento na primeira e
segunda vindas de Cristo.Localizando a passagem dentro dessa história,
pode-se traçar uma linha consistente e segura entre o relato biográfico e
Jesus Cristo.
Por exemplo, ao aplicar o método cristocêntrico ao relato do enfrenta-
mento entre Davi e Golias em 1 Samuel 17, não isolaremos a passagem
apresentando “Davi à congregação como um herói cuja coragem devemos
imitar ao lutar contra nossos ‘Golias’ particulares”. É
óbvio que o texto registra a história pessoal de um jovem que matou um
gigante filisteu com apenas uma funda e uma pedra. Uma história única e
extraordinária. Entretanto, o interesse do autor bíblico não está aí.
Ele quer mostrar que esse enfrentamento é uma
parte importante da história nacional e real de Israel: Samuel acabara de ungir secretamente o jovem pastor como rei de todo o Israel (1Sm 16). Em seguida (1Sm 17), o jovem pastor-rei salva Israel de seu arquiinimigo, matando Golias. A mensagem é: Davi, o rei ungido de Deus, livra Israel e garante sua segurança na terra prometida.
Passa-se, então, à consideração do relato dentro da história
redentora. Pergunta-se o que essa passagem ensina sobre Deus e seus
atos. Nesse texto deve-se notar que
Davi não depende de sua própria força ou de armas ou de habilidade [...] (1Sm 17.45-47). A essência dessa história, portanto, é mais que Israel [sic] vencer o inimigo de seu povo; a essência é que o próprio Senhor derrota os inimigos do seu povo. Esse tema localiza a passagem na estrada principal da história do reino de Deus que leva diretamente à vitória de Jesus sobre Satanás [...] Assim, a batalha entre Davi e Golias é mais que uma luta pessoal; é mais que o rei de Israel vencendo um poderoso inimigo – é um pequeno capítulo na batalha entre a semente da mulher e a semente da serpente.
A partir daí, pode-se fazer diversas aplicações dependendo das condições
da igreja moderna. Entretanto, a mensagem deve permanecer em torno do
confronto entre Deus e os inimigos de seu povo, vencido pela obra de
Cristo na cruz e a ser consumada na segunda vinda de Cristo. Esse mesmo
conflito básico pode ser visto nos conflitos entre Abel e Caim, Isaque e
Ismael, Jacó e Esaú, Moisés e Faraó.
3.2.1. Tipologia
O desvio da tipologização não deve inviabilizar o uso da tipologia na
interpretação das narrativas bíblicas. A discussão sobre o que é a
tipologia e como pode ser usada é bastante acirrada, mas é evidente que
este foi um dos modos pelo qual os autores do Novo Testamento
interpretaram o Antigo. Chapell define tipologia como “o estudo das
correspondências entre pessoas, eventos e coisas que primeiro aparecem
no Antigo Testamento [...] para preparar ou expressar de modo mais
completo as verdades de salvação do Novo Testamento”. O aspecto primário
da discussão é se o autor do texto vetero- testamentário compreendia o
sentido tipológico do relato. Em alguns casos, especialmente nos salmos e
nos profetas, é possível dizer que sim. Entretanto, Greidanus afirma:
“Suspeito que a maioria dos tipos não seja profético, mas pessoas e
acontecimentos específicos são vistos mais tarde como tendo significado
tipológico”. Ou seja, a maioria dos tipos bíblicos não são preditivos,
mas descobertos somente à luz de sua realidade neotestamentária em Jesus
Cristo. Isso não significa que devemos impor um novo significado ao
texto, mas “simplesmente entender esse acontecimento no seu pleno
contexto histórico- redentor”. Isso porque, ainda que a relação só tenha
sido vista posteriormente, na perspectiva de Deus ela sempre esteve ali
e o texto foi registrado com o propósito implícito de estabelecê-la.
Para que se evite o perigo da tipologização, Greidanus aponta quatro
características básicas de um verdadeiro tipo. Um tipo autêntico é
histórico, se refere a acontecimentos, pessoas ou instituições. É
teocêntrico, isto é, refere- se aos atos de Deus em e por meio de
pessoas e acontecimentos. Exibe uma analogia significativa com seu
antítipo: deve-se evitar estabelecer a relação através de detalhes. Por
último, a relação de um tipo autêntico com seu antítipo é marcada pela
progressão. Disso decorre que não se deve dispensar a interpretação
histórico-literária, pois esta servirá de base indispensável para a
interpretação tipológica correta. Outro aspecto importante é estabelecer
o caráter simbólico da pessoa nos tempos do Antigo Testamento. Se este
significado não estiver presente não é possível aplicar a interpretação
tipológica.
Como exemplo da aplicação da tipologia pode-se citar
pessoas como Moisés, Josué, os juízes e os reis, mediante os quais Deus livrou o seu povo e buscou estabelecer seu reinado (teocracia – governo de Deus). Essa obra redentora de Deus por meio de seus líderes ungidos os qualifica como tipos de Cristo, por meio de quem Deus, no final, libertaria seu povo e estabeleceria seu reino sobre a terra. Também descobrimos sumos sacerdotes e sacerdotes que são tipos de Cristo ao oferecer sacrifícios em expiação pelos pecados do povo, e interceder por eles.
Em cada uma dessas situações, o uso da tipologia mostra-se um meio
adequado de interpretar e aplicar o texto bíblico. Nelas, o pregador de
sermões biográficos terá a oportunidade demonstrar os componentes da
obra de Cristo, bem como apresentar os aspectos distintivos e
superlativos de Cristo em relação à obra daqueles que ilustraram seu
ministério.
3.2.2. Analogia
A analogia também pode ser utilizada na abordagem de textos
biográficos. Já foi visto que não se deve, simplesmente, estabelecer
relação direta entre o personagem e o crente. Para respeitar a unidade
da história redentora e a continuidade entre Israel e a Igreja, o
pregador deve perguntar que aspectos semelhantes há entre a relação de
Deus com o personagem e a relação de Deus com os crentes da atualidade. O
interesse não deve estar apenas na aplicação relevante do texto, mas em
estabelecer o ponto de continuidade fundado em Cristo. “… por meio de
Cristo, Israel e a Igreja se tornaram o mesmo povo de Deus:
destinatários da mesma aliança de graça, partilhando da mesma fé,
vivendo a mesma esperança, procurando demonstrar o mesmo amor”. Assim,
os atos de Deus em favor dos personagens, seus ensinos e exigências são,
em muitos aspectos, aplicáveis às pessoas da atualidade. Chapell
orienta que é preciso definir o objetivo planejado pelo Espírito Santo e
identificar a necessidade bíblica que os ouvintes compartilham com
aqueles que “viviam na situação bíblica que requereu o escrito
inspirado” e apresenta o seguinte procedimento hermenêutico:
I. Identificar os princípios redentores evidentes no texto.
- Aspectos revelados da natureza divina que concedem redenção
- Aspectos revelados da natureza humana que necessitam de redenção
II. Determinar que aplicação esses princípios redentores hão de exercer na vida dos crentes no contexto bíblico.
III. À luz dos característicos humanos comuns ou das condições que os crentes
contemporâneos partilham com os crentes bíblicos, aplicar os princípios
redentores à vida contemporânea.
Greidanus exemplifica que ao se pregar sobre Jacó em Betel (Gn
28.1022), pode-se “ressaltar que enquanto Israel aprendia a respeito da
presença protetora de Deus por meio da experiência de Jacó em Betel
antes de sua perigosa viagem, assim Cristo promete estar conosco” em
todos os dias de nossa vida (Mt 28.20).
3.2.3. Contraste
O próprio conceito de progressão da história redentora implica no
contraste entre o Antigo e o Novo Testamento, e até mesmo entre este e a
atualidade. Contudo, isso não inviabiliza o trabalho do pregador.
Somente que tais passagens devem ser pregadas à luz da revelação final
de Deus em Cristo, demonstrando os contrastes presentes. Esses
contrastes são centrados em Cristo, “pois é ele o responsável por
quaisquer mudanças entre as mensagens do Antigo e do Novo Testamento”.
Greidanus apresenta dois exemplos do uso do contraste em passagens
biográficas. Gideão foi obediente a Deus destruindo o altar de Baal e
salvando Israel dos midianitas, porém, mais tarde, fez uma estola
sacerdotal e desviou Israel do Senhor (Jz 6-8). Cristo, porém, é o
Salvador perfeito que nos liberta de nossos pecados e de nossos
inimigos, incluindo a morte, e nos aproxima do Pai numa aliança que
jamais será quebrada (Jo 10.27-30). Esdras e Neemias lutaram para que a
santidade fosse para além dos limites do templo e incluísse todo o povo
de Jerusalém. Zelaram também para excluir todos os que não pertenciam a
Israel. Cristo, porém, desfaz a divisão entre judeus e gentios e faz de
ambos um só povo santo ao Senhor (Ef 2.14-18).
Essas quatro abordagens permitem ao pregador tratar o texto com
fidelidade histórica e literária, sem abrir mão de seu compromisso
teológico de reconhecer a centralidade de Deus e de seu Cristo em cada
passagem da Escritura. Também não o impedirá de ser relevante, uma vez
que expõe a seus ouvintes verdades precisas e bem fundamentadas sobre a
pessoa, ministério e ensino de Cristo.
[cont.]
Fonte: Voltemos ao Evangelho Divulgação: Massoreticos
Excelente para se refletir, principalmente quando vemos pregadores nos dias atuais voltando aos rudimentos da lei mosaica, chegando até mesmo ao extremo de o sobrepujarem a obra redentora de Cristo.
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