Foto do armário do Rev. Van Diesel - óleo santo importado de Israel |
Por: Augusto Nicodemos Lopes
[Republicação - Mais uma carta fictícia. Não existe o Reverendo Van Diesel, pelo menos não com este nome...]
Prezado Reverendo Van Diesel,
Obrigado
por ter respondido minha carta. Você foi muito gentil em responder
minhas perguntas e explicar os motivos pelos quais você costuma ungir
com óleo os membros de sua igreja e os visitantes durante os cultos,
além de ungir os objetos usados nos cultos.
Eu não queria incomodá-lo com isto, mas o Severino,
membro da minha igreja que participou dos seus cultos por três domingos
seguidos, voltou meio perturbado com o que viu na sua igreja e me pediu
respostas. Foi por isto que lhe mandei a primeira carta. Agradeço a
delicadeza de ter respondido e dado as explicações para sua prática.
Sem
querer abusar de sua gentileza e paciência, mas contando com o fato de
que somos pastores da mesma denominação, permita-me comentar os
argumentos que você citou como justificativa para a unção com óleo nos
cultos.
Você escreveu, "A
unção com óleo era uma prática ordenada por Deus no Antigo Testamento
para a consagração de sacerdotes e dos reis, como foi o caso com Arão e
seus filhos (Ex 28:41) e Davi (1Sam 16:13). Portanto, isto dá base para
se ungir pessoas no culto para consagrá-las a Deus." Meu caro Van
Diesel, nós aprendemos melhor do que isto no seminário presbiteriano.
Você sabe muito bem que os rituais do Antigo Testamento eram simbólicos e
típicos e que foram abolidos em Cristo. Além do mais, o método usado
para consagrar pessoas a Deus no Novo Testamento para a realização de
uma tarefa é a imposição de mãos. Os apóstolos não ungiram os diáconos
quando estes foram nomeados e instalados, mas lhes impuseram as mãos
(Atos 6.6). Pastores também eram consagrados pela imposição de mãos e
não pela unção com óleo (1Tim 4.14). Não há um único exemplo de pessoas
sendo consagradas ou ordenadas para os ofícios da Igreja cristã mediante
unção com óleo. A imposição de mãos para os ofícios cristãos substituiu
a unção com óleo para consagrar sacerdotes e reis.
Você disse que "Deus
mandou Moisés ungir com óleo santo os objetos do templo, como a arca e
demais utensílios (Ex 40.10). Da mesma forma hoje podemos ungir as
coisas do templo cristão, como púlpito, instrumentos musicais e
aparelhos de som para dedicá-los ao serviço de Deus. Eu e o Reverendo
Mazola, meu co-pastor, fazemos isto todos os domingos antes do culto."
Acho que aqui é a mesma coisa que eu disse no parágrafo anterior. A
unção com óleo sagrado dos utensílios do templo fazia parte das leis
cerimoniais próprias do Antigo Testamento. De acordo com a carta aos
Hebreus, estes utensílios, bem como o santuário onde eles estavam, “não
passam de ordenanças da carne, baseadas somente em comidas, e bebidas, e
diversas abluções, impostas até ao tempo oportuno de reforma” (Hb
9.10). Além disto, o templo de Salomão já passou como tipo e figura da
Igreja e dos crentes, onde agora habita o Espírito de Deus (1Co 3.16;
6.19). Não há um único exemplo, uma ordem ou orientação no Novo
Testamento para que se pratique a unção de objetos para abençoá-los. Na
verdade, isto é misticismo pagão, puro fetichismo, pensar que objetos
absorvem bênção ou maldição.
Você também argumentou que “Jesus
mandou os apóstolos ungir os doentes quando os mandou pregar o
Evangelho. Eles ungiram os doentes e estes ficaram curados (Mc 6.13).”
Nisto você está correto. Mas note o seguinte: (1) foi aos Doze que
Jesus deu esta ordem; (2) eles ungiram somente os doentes; (3) e quando
ungiam, os enfermos eram curados. Se você, Van Diesel, e seu auxiliar
Mazola, curam a todos os doentes que vocês ungem nos cultos, calo-me
para sempre. Mas o que ocorre? Vocês ungem todo mundo que aparece na
igreja, crianças, jovens, adultos e velhos... Você fica de um lado e o
Mazola do outro, e as pessoas passam no meio e são untadas com óleo na
testa, gente sadia e com saúde. Se há enfermos no meio, eles não parecem
ficar curados. Pelo menos o membro da minha igreja que esteve ai por
três domingos seguidos não viu nenhum caso de cura. Ele me disse que
você e o Mazola ungem o povo para prosperidade, bênção, proteção,
libertação, etc. É bem diferente do que os apóstolos fizeram, não é
mesmo?
Quando eu questionei a unção das partes íntimas que você faz numa reunião especial durante a semana, você replicou que “a
unção com óleo sagrado e abençoado é um meio de bênção para as pessoas
com problemas de esterilidade e se aplicado nas partes íntimas, torna as
pessoas férteis. Já vi vários casos destes aqui na minha igreja.”
Sinceramente, Van Diesel, me dê ao menos uma prova pequena de que esta
prática tem qualquer fundamento bíblico! Lamento dizer isto, mas dá a
impressão que você perdeu o bom senso! Eu me pergunto por que seu
presbitério ainda não tomou providências quanto a estas práticas suas.
Deve ser porque o presidente, Reverendo Peroba, seu amigo, faz as mesmas
coisas.
Seu último argumento foi que “Tiago mandou que os doentes fossem ungidos com óleo em nome de Jesus (Tg 5.14).”
Pois é, eu não teria problemas se os pastores fizessem exatamente o que
Tiago está dizendo. Note nesta passagem os seguintes pontos.
- A iniciativa é do doente: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor."
- Ele chama “os presbíteros da igreja” e não somente o pastor.
- O evento se dá na casa do doente e não na igreja.
- E o foco da passagem de Tiago, é a oração da fé. É ela que levanta o doente, “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5.15).
Ou seja, não tem como usar esta passagem para justificar o “culto da unção com óleo santo”
que você faz todas as quintas-feiras e onde unge quem aparece. Não há
confissão de pecados, não há quebrantamento, nada do que Tiago associa
com esta cerimônia na casa do doente.
Quer
saber, Van Diesel, eu até que não teria muitos problemas se os
presbíteros fossem até a casa de um crente doente, que os convidou, e lá
orassem por ele, ungindo com óleo, como figura da ação do Espírito
Santo. Se tudo isto fosse feito também com um exame espiritual da vida
do doente (pois às vezes Deus usa a doença para nos disciplinar),
ficaria de bom tamanho. E se houvesse confissão, quebrantamento, mudança
de vida, eu diria amém!
Mas
até sobre esta unção familiar eu tenho dúvida, diante do uso errado que
tem sido feito da unção com óleo hoje. De um lado, há a extrema unção
da Igreja Católica, tida como sacramento e meio de absolvição para os
que estão gravemente enfermos e se preparam para a morte. Por outro, há
os abusos feitos por pastores evangélicos, como você. O crente doente
que convida os presbíteros para orarem em sua casa e ungi-lo com óleo o
faz por qual motivo? Ungir com óleo era comum na cultura judaica e
oriental antiga. Mas entre nós...? Será que este crente pensa que a
unção com óleo tem poderes miraculosos? Será que ele pensa que a oração
dos presbíteros tem um poder especial para curar? Se ele passa a semana
assistindo os programas das seitas neopentecostais certamente terá
idéias erradas sobre unção com óleo. Numa situação destas de grande
confusão, e diante do fato que a unção com óleo para enfermos é
secundária diante da oração e confissão de pecados, eu recomendaria
grande prudência e discernimento.
Mas,
encerro por aqui. Mais uma vez, obrigado por ter respondido à minha
primeira carta e peço sua paciência para comigo, na hora de ler meus
contra-argumentos.
Um grande abraço,
Augustus
PS:
Ah, o Reverendo Oliveira e o Presbítero Gallo, seus conhecidos, estão
aqui mandando lembranças. Eles discordaram veementemente desta minha
carta, mas fazer o quê...?
PS2: Desculpe ter publicado a foto que o Severino acabou tirando daquele seu armário no gabinete pastoral... ele não resistiu.
Fonte: O Tempora, O Mores Divulgação: Massoreticos
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